A Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), uma das mais tradicionais entidades religiosas do país, vem enfrentando um processo silencioso, porém consistente, de desligamento de igrejas filiadas. A saída de pastores e ministérios inteiros tem gerado questionamentos sobre os rumos da organização e exposto tensões internas antes restritas aos bastidores da denominação.
Fundada em 1930, a CGADB foi, por décadas, o principal elo de articulação entre os ministérios da Assembleia de Deus em todo o Brasil. Sua missão institucional sempre foi zelar pela doutrina, fortalecer a comunhão entre as igrejas e promover a unidade teológica e administrativa. No entanto, o que se vê no cenário atual é um movimento oposto: igrejas e lideranças buscando autonomia fora da estrutura da convenção.
Administração contestada e crise de representatividade
Um dos principais fatores que explicam o crescente desligamento está relacionado à gestão interna da CGADB. Entre os pastores que deixaram a convenção, são comuns críticas sobre a suposta centralização do poder e a ausência de alternância real na liderança. Durante anos, o comando esteve nas mãos do pastor José Wellington Bezerra da Costa, seguido por seu filho, José Wellington Júnior. Essa sucessão familiar gerou incômodos entre setores que defendem maior renovação no comando.
Além disso, disputas eleitorais dentro da CGADB ficaram marcadas por denúncias de irregularidades. A mais conhecida ocorreu em 2017, quando pastores ligados ao então opositor Samuel Câmara alegaram fraude no processo de votação para presidência da convenção. Embora a CGADB tenha negado qualquer irregularidade, o episódio aprofundou a crise de confiança interna.
Diferenças doutrinárias e resistência a mudanças
Outro ponto de atrito que impulsionou desligamentos foi a resistência da CGADB em lidar com questões doutrinárias contemporâneas. A convenção mantém uma postura teológica conservadora, o que inclui, por exemplo, a não ordenação de mulheres ao ministério pastoral.
Enquanto isso, outras convenções emergentes, como a Convenção da Assembleia de Deus no Brasil (CADB), fundada por Samuel Câmara, têm adotado interpretações mais abertas, atraindo pastores que se sentem desatendidos pela postura rígida da CGADB.
Além da questão da ordenação feminina, pautas como o uso de redes sociais por pregadores, formas modernas de evangelismo e abertura a novas liturgias também têm causado desconforto entre lideranças mais jovens que se sentem tolhidas na CGADB.
Busca por autonomia administrativa
Muitos dos pastores que optaram por deixar a CGADB relatam que a estrutura da convenção impõe limitações à autonomia das igrejas locais.
Na prática, isso significa que decisões sobre temas administrativos, como contratação de obreiros, abertura de congregações ou administração de recursos, podem ser limitadas ou exigirem aval da cúpula da CGADB. Em contrapartida, novas convenções têm oferecido maior flexibilidade administrativa, o que é visto como mais adequado à realidade das igrejas locais.
Proliferação de novas convenções
A saída de igrejas da CGADB resultou na criação de novas organizações e convenções paralelas. A mais expressiva é a CADB, criada em 2017, que rapidamente conquistou milhares de filiados. Além dela, há outras associações regionais que têm ganhado força, especialmente no Norte e Nordeste do Brasil.
Essa fragmentação, embora gere preocupação quanto à unidade histórica da Assembleia de Deus, também revela um novo momento do movimento pentecostal no país: descentralizado, plural e mais sensível às demandas culturais locais.
A pergunta sobre por que tantas igrejas estão deixando a CGADB não possui uma resposta única, mas sim um conjunto de fatores legítimos: insatisfação com a gestão central, resistência a mudanças doutrinárias, disputas políticas internas e o desejo de maior autonomia ministerial. Diante disso, o movimento de saída parece menos uma ruptura e mais um realinhamento institucional dentro do próprio universo assembleiano.
Se a CGADB desejar reverter esse quadro, será necessário promover reformas estruturais profundas, abrir espaço para novas lideranças e dialogar com uma geração de pastores que não se vê representada no modelo atual. Até lá, o processo de fragmentação deve continuar — e com ele, um novo capítulo na história da Assembleia de Deus no Brasil.