O problema do dualismo antropológico no Cristianismo, embora já existente na Índia e na Pérsia antigas, começa com o pensamento platônico sobre o dualismo do homem.
Platão propôs uma dicotomia entre o mundo material e o mundo das ideias, considerando o corpo como inferior e a alma como verdadeira essência do ser humano.
Em contrapartida, a visão antropológica cartesiana exalta a razão, a subjetividade e a objetividade. A ideia não é só o corpo como simples matéria que pode existir independentemente da alma, para ele, a alma não interfere na vida biológica do ser humano, a finalidade da alma é pensar.
O dualismo refere-se à coexistência de dois princípios opostos, como bem e mal, alma e corpo, e divino e humano. Essa problemática afeta diversas formas encontradas pela Igreja do Brasil e na América Latina na formulação da visão cristã verdadeira sobre a constituição do homem, que, em alguns casos, procurou estabelecer uma visão reducionista em relação à formulação de Deus Criador e Salvador.
O reducionismo acontece quando cristãos, com pensamentos ainda milenares, estabelecem uma dicotomia na visão do homem entre espírito e matéria, fé e vida cotidiana, fé e política, divino e humano, e teoria e prática, estabelecendo assim uma relação de oposição e exclusão, conforme afirma o teólogo Garcia (GARCIA, 2014, p. 96).
Durante grande parte da história da Igreja, evitou-se um dualismo depreciativo, especialmente no que diz respeito à constituição do homem e à dupla natureza de Cristo. Mas não foi possível evitar a entrada desse dualismo na teologia, espiritualidade e no conjunto da vida. Ainda que esse dualismo tenha se apresentado de forma moderada, mas ainda sim formulações de oposição e exclusão, como corpo e alma, oração e ação, teoria e prática, igreja e mundo, céu e terra.
Embora os papéis possam se inverter, o dualismo continuará estabelecendo oposição e exclusão, algo que a Escritura, no que diz respeito à vida com Cristo não tenha sido ensinado por ele, segundo Garcia (GARCIA, 2024, p. 102-103).
Mateus 6:9 diz:
“Venha o teu reino; seja feita a tua vontade na terra como no céu”.
E João 14:9:
“Disse-lhe Jesus: Estou há tanto tempo convosco, e não me tendes conhecido, Filipe? Quem me vê a mim vê o Pai; e como dizes tu: Mostra-nos o Pai?”.
Esses versículos não apoiam o dualismo antropológico. A Bíblia ensina sobre dualidade (Colossenses 3:5), que é diferente de dualismo.
O problema antropológico teológico está enraizado no Cristianismo, e é importante destacar alguns problemas específicos no pentecostalismo. Embora a teologia pentecostal destaque a cura divina como um ato soberano de Deus na intervenção da vida humana para restauração da saúde (isso é ponto positivo na antropologia teológica). Mas isso não resolve a problemática da antropologia teológica presente nas igrejas pentecostais. Quando me refiro à cura divina na perspectiva da teologia pentecostal, estou falando de uma base teológica bem fundamentada, que não deve ser confundida com as práticas dos neopentecostais.
Existem vários problemas a serem mencionados, mas vamos destacar apenas dois pontos:
1. Corpo X Espírito: Muitos consideram seus corpos como “pecaminosos” e interpretam que o corpo não serve para nada. Diante desse pensamento, adotam o legalismo como uma roupagem de “santidade”. No entanto, nosso corpo é bom, pois foi criado pelo próprio Deus (Gênesis 1:26). Nosso corpo é templo do Espírito Santo (1 Coríntios 3:16). Infelizmente, o legalismo ainda é um problema sério entre os pentecostais. Essa visão problemática da antropologia teológica acaba diminuindo a obra de Deus no corpo humano. O resultado desse legalismo é um sistema de regras pesadas que as pessoas seguem, mas que não tem respaldo bíblico e teológico.
2. Teoria X Prática: O problema do dualismo antropológico teológico gera uma questão gravíssima chamada anti-intelectualismo. Os pentecostais são conhecidos como um grupo religioso por não fazer distinção de pessoas e por adotar o sacerdócio de todo o crente, um dos lemas da Reforma Protestante, que é também presente na igrejas pentecostais. Esse conceito poderia ser chamado de “sacerdócio profético”, pois todos os crentes em Jesus podem ter experiências carismáticas do Espírito Santo. No entanto, o anti-intelectualismo faz com que os pentecostais priorizem apenas a prática das atividades eclesiásticas, enquanto ignoram a reflexão teológica. Muitos ainda veem os teólogos como “pessoas inúteis” para a igreja. Segundo eles, os teólogos só vivem de teorias, mas nada acrescentam na prática. Entretanto, esquecem que se hoje temos uma teologia sólida sobre Deus, a Trindade, a Salvação e o Espírito Santo, e entre outros temas, é devido aos teólogos que dedicam suas vidas para a sistematização do pensamento teológico.
O problema antropológico teológico é de extrema importância e precisa ser enfrentado com urgência. Com uma base teológica sólida, podemos aos poucos ensinar a diminuir esse problema que está enraizado em nossas igrejas. Enquanto esse assunto não for tratado de uma forma correta e madura, os problemas continuarão a ocorrer, trazendo mais consequências negativas para nosso meio.
Referência Bibliográfica:
GARCIA, Rubio A. Unidade na pluralidade: O ser humano à luz da fé e da reflexão cristã. São Paulo: Paulus, 2006.
Ediudson Fontes é Pastor auxiliar da Assembleia de Deus – Ministério Cidade Santa no RJ. Teólogo. Pós-graduação em Ciência das Religiões. Mestrado em Teologia Sistemática. Professor de Teologia, autor das obras: “Panorama da Teologia Arminiana”, “Reforma Protestante e Pentecostalismo – A Conexão dos Cinco Solas e a Teologia Pentecostal” e “A Soteriologia na relação entre Arminianismo e Pentecostalismo”, todos publicados pela Editora Reflexão. Casado com Caroline Fontes e pai de Calebe Fontes.
* O conteúdo do texto acima é de colaboração voluntária, seu teor é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Vox Livre.