Crise de Lucho no Bahia: conflitos internos e gestão em xeque?

O início de temporada do atacante Luciano ‘Lucho’ Rodríguez foi de consolidação na equipe comandada pelo técnico Rogério Ceni. Com sete gols marcados em 12 jogos, e importantes marcas alcançadas, o uruguaio manteve o embalo da reta final do ano passado e se firmou de vez entre os titulares do Bahia. No entanto, logo após o começo fulminante, veio o período de baixa: Já são 18 jogos sem balançar as redes — maior jejum de gols da carreira do jovem de 21 anos.

O último tento marcado por Lucho aconteceu há mais de dois meses, contra o Ceará, pela Copa do Nordeste, e devido ao mau momento, o atacante perdeu a vaga cativa na equipe titular do Esquadrão.

Entre a titularidade e o banco de reservas, o uruguaio ainda assim foi convocado pelo técnico Marcelo Bielsa para defender o Uruguai nesta Data Fifa, e durante sua apresentação à delegação Celeste, o jogador atribuiu a má fase ao sistema de jogo do Bahia e revelou o desejo de voltar a jogar na sua posição de origem: a ponta.

“Minha posição natural é como ponta, sempre disse isso […] Não tenho problema em jogar como camisa 9, como estou fazendo agora no Bahia, mas claro que gostaria de voltar à minha posição de origem, que foi onde tive melhor desempenho […] Acho que é a posição onde melhor aproveitam o meu futebol, mas, como disse, sempre vou jogar na posição que o treinador achar melhor”, disse o jovem atacante ao jornalista Rodri Vázquez.

Sob o comando do técnico Rogério Ceni no Bahia, Lucho Rodríguez atua como centroavante ou segundo atacante. Independentemente do posicionamento — Centroavante, segundo atacante ou ponta —, é notável que algo tem afetado o desempenho de Lucho Rodríguez dentro de campo, e a declaração, realizada durante a apresentação do jogador à Seleção Uruguaia reacende um conflito de gestão entre Bahia e Uruguai que pode estar afetando a performance do atleta.

Em setembro de 2024, pouco tempo depois da sua chegada ao Bahia, ainda cercada de muitas expectativas, mas marcada por minutos limitados em campo sob o comando de Rogério Ceni, Lucho Rodríguez revelou uma conversa com o técnico Marcelo Bielsa a respeito de seu peso durante uma coletiva. Segundo Lucho, o treinador da Seleção Uruguaia pediu para que ele perdesse um pouco mais de peso, especialmente massa muscular.

Quando desembarcou em território soteropolitano e passou a treinar com o elenco do Bahia, o atacante teve um considerável aumento de massa muscular, mas não por uma recomendação específica do clube, e sim devido à característica do comportamento do futebol brasileiro, que trabalha bastante o aspecto físico do jogador, o que não agradou o chefe da comissão técnica uruguaia.

Conforme revelado por Luciano Rodríguez em coletiva, Bielsa o aconselhou a perder peso para que ele pudesse ser mais móvel, tendo mais velocidade, e, por consequência, mais leve no um contra um: “Marcelo [Bielsa] gosta que estejamos um pouco mais magros para ficarmos mais ágeis como atacantes, para sermos mais rápidos e leves no um contra um”.

O questionamento do treinador da Seleção Uruguaia quanto ao peso aconteceu devido ao posicionamento de Lucho na Celeste. No Uruguai — ao contrário do Bahia —, o jogador atua como ponta, e por isso, precisa de mais agilidade.

Ainda em setembro do ano passado, o atacante uruguaio concedeu uma entrevista à Carve Deportiva, do Uruguai, e durante a conversa, disse que sinalizou ao Bahia a necessidade de perder peso para estar mais leve e rápido pensando na Seleção Uruguaia, que conforme descreveu, ‘é o que mais almeja como jogador’.

Diante deste conflito, o técnico Marcelo Bielsa, porém, declarou durante uma coletiva de imprensa que não gostaria de se ‘sobrepor àqueles que o controlam diariamente e que lhe pagam o salário’.

“Mas eu disse a ele que qualquer opinião diferente que ele ou o clube tenha é melhor que a minha […] Eu disse que ele não precisa me obedecer […] Ninguém melhor do que o clube, que o acompanha todos os dias, para dizer o que ele tem que fazer”, completou Bielsa.

A fim de entender como a divergência quanto ao peso do atleta por parte de Bahia e Uruguai pode afetar o rendimento do atacante em campo, uma vez que o atleta já se mostrou preocupado em manter-se no peso adequado para defender a Seleção Uruguaia, a equipe de esportes do Portal A TARDE conversou com dois especialistas: Abilio Oliveira Passos Neto, fisioterapeuta ortopédico especializado na área esportiva, e Fernanda Lago, psicóloga clínica e do esporte.

Choque de culturas?

Em entrevista com Abilio Passos, ex-fisioterapeuta do Bahia, onde atuou por 10 anos, o profissional destacou que existem algumas variáveis neste contraste entre Seleção e clube, mas, do ponto de vista do esporte de alto rendimento, existem outros aspectos que podem se sobrepor mutualmente.

Segundo o fisioterapeuta, o Bahia tem uma metodologia muito clara: a prevenção de lesões. Conforme revelado pelo profissional durante a conversa, o clube, juntamente com o Grupo City, trabalha com “metas físicas”, e dentro dessas metas, a força é um fator central.

O Grupo City valoriza muito o ganho de força e, inevitavelmente, isso leva ao aumento da massa muscular. Mas qual é a lógica disso? Prevenir lesões

Abilio Passos – fisioterapeuta

Para Abilio, essas metas acabam implicando em atletas mais fortes fisicamente: “o atleta pode até ganhar peso, mas, visualmente, às vezes isso não é perceptível […] Por exemplo: às vezes o atleta parece estar mais magro, visualmente, mas, numericamente, perdeu pouco peso — ou até ganhou massa magra e perdeu gordura. Ou ainda fez um trabalho específico de redução do percentual de gordura, gerando uma aparência mais definida”.

O profissional ainda destacou que enxerga um choque de culturas entre a gestão realizada no Bahia e a desejada por Marcelo Bielsa, no Uruguai, mas que apesar das diferenças, salientou que Lucho Rodríguez está bem fisicamente, independente do ambiente que esteja inserido — seja na Seleção ou no clube —, mas que algum fator extracampo pode estar interferindo no desempenho dele dentro de campo.

Saúde mental e performance estão alinhadas?

Para Fernanda, Luciano Rodríguez está atravessando um desafio que vai muito além da técnica ou da parte física: é um desafio psicológico, emocional e, sobretudo, sistêmico. Segundo a psicóloga, o rendimento de um atleta é influenciado não apenas por sua capacidade técnica e física, mas também por uma série de fatores emocionais, relacionais e contextuais que fazem parte dos diferentes sistemas aos quais ele pertence.

“Lucho, hoje, está transitando entre dois sistemas esportivos que possuem demandas muito distintas: o Bahia, onde atua como centroavante, e a Seleção Uruguaia, onde ele precisa de um corpo mais leve, mais ágil, para exercer a função de ponta. Isso significa que ele não está lidando apenas com uma mudança de posicionamento tático, mas também com uma mudança de identidade esportiva e corporal. É como se fossem dois atletas em um só corpo. Essa incongruência corporal e funcional impacta diretamente na sua autoconfiança, na sua percepção de competência e até mesmo no seu senso de pertencimento”, afirmou a profissional.

Ainda de acordo com Fernanda, o atleta não se desenvolve de forma isolada, ele faz parte de sistemas — o clube, a seleção, a família, a imprensa, os torcedores. Portanto, cada um desses sistemas tem expectativas, exigências e discursos diferentes sobre quem ele deve ser, como deve jogar e até como deve se apresentar fisicamente: “Quando essas expectativas entram em conflito, o atleta pode experimentar confusão interna, desconforto emocional e até bloqueios de desempenho”.

“Na prática, o corpo do atleta vira território de disputa. No Bahia, ele precisa ser mais forte, mais resistente, jogar de costas, suportar choques físicos. Na Seleção Uruguaia, ele precisa ser leve, rápido, driblador, jogador de lado. Isso exige adaptações constantes, não só físicas, mas também mentais. E o corpo leva um tempo para responder, assim como a mente também precisa se reorganizar diante dessas transições”, destacou Fernanda, alegando que esse tipo de situação pode gerar estresse, ansiedade, queda na autoconfiança, e até desconexão com o prazer de jogar.

Se o atleta começa a se sentir mais preocupado em atender às demandas externas do que em se conectar com sua essência como jogador, o desempenho naturalmente cai

Fernanda Lago – psicóloga do esporte

Apesar do cenário contrastante, Fernanda garantiu ser possível superar esse momento: “O caminho passa por um trabalho psicológico focado na construção de uma identidade esportiva mais flexível, onde ele compreenda que, sim, pode ser um atleta que transita entre funções e demandas, mas sem perder a sua essência, sem perder de vista suas forças e características mais autênticas como jogador”.

Além disso, a profissional destacou que é fundamental existir um alinhamento de comunicação entre os sistemas — clube e seleção — para o atleta conseguir lidar com a responsabilidade de dar conta dessas adaptações.

“É importante lembrar que atletas são pessoas, e as pessoas precisam ser vistas em sua totalidade. É natural que ele esteja atravessando um momento de oscilação, mas isso não define sua carreira, nem seu potencial. Com suporte adequado, tanto psicológico quanto esportivo, ele pode, sim, se reorganizar, ressignificar esse momento e retomar o caminho do alto rendimento”, finalizou Fernanda Lago, especialista em psicologia clínica e do esporte.

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