A Bahia lidera o ranking de supostas candidaturas larajas nas eleições municipais de 2024. Conforme reportagem do Estadão feita com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), das 2.771 candidaturas suspeitas, 236 estão no estado, o Rio de Janeiro aparece em segundo com 162, seguido do Amazonas com 156.
São consideradas candidaturas suspeitas aquelas que receberam mais de R$ 1 mil do Fundão Eleitoral e do Fundo Partidário para cada um de seus votos, e que tiveram menos de 100 sufrágios no total. Em conjunto, esses candidatos receberam R$ 54,7 milhões em verba pública, mas tiveram só 30.886 votos. É como se cada um desses votos custasse ao pagador de impostos R$ 1.771,83. Das 2.771 candidaturas, todas foram para vereador e a maioria (2.087) foi de mulheres. Ninguém se elegeu.
Os partidos com mais casos são o PL (361), o PSD (321) e o PP (316). Quando se consideram os diretórios estaduais, se sobressaem o PP da Bahia (43); o PSD na Bahia (40) e no Ceará (39); e o MDB no Amazonas (34) e no Piauí (33). Geralmente, a alocação do dinheiro entre os candidatos é feita pelos diretórios municipais de cada legenda.
Liderança indigesta
Das 40 candidaturas do PSD da Bahia com mais de R$ 1 mil do Fundo por voto, 39 são de mulheres. E quase todas são pardas (30) ou pretas (8). Só duas se autodeclaram brancas. 28 dessas candidaturas tiveram menos de 20 votos. Juntas, as 40 candidaturas receberam R$ 1,93 milhão do Fundão, mas tiveram só 906 votos, o que representa mais de R$ 2 mil por cada sufrágio.
O voto mais caro do grupo foi o de Rita Alves da Silva, a Ritinha, que tentou se eleger vereadora em Eunápolis, cidade de 120 mil habitantes no Sul da Bahia. Ritinha recebeu R$ 60 mil do “Fundão” do PSD e, até o momento, declarou ter gasto quase tudo (R$ 57,5 mil). Mesmo assim, só teve 5 votos. Nas redes sociais de Ritinha, informadas ao TSE, não há qualquer traço de que ela tenha feito campanha.
O maior gasto dela foi com a empresa H&H Empreendimentos, uma firma de marketing digital: R$ 47,5 mil. Há uma nota de R$ 7,5 mil para “criação e designer (sic) de peças publicitárias” e outra de R$ 40 mil para “serviço de militância na campanha eleitoral”. Além dela, outras candidatas do PSD em Eunápolis com poucos votos também contrataram a empresa. É o caso da Pastora Maria Nilza, que investiu R$ 40 mil nos serviços da empresa mas só teve 11 votos; e de Maíza Oliveira, que também pagou R$ 40 mil e teve 48 votos. Em Eunápolis, o PSD elegeu o prefeito, Robério Oliveira, com 49,6% dos votos.
Além das candidatas a vereador do PSD em Eunápolis, a H&H Empreendimentos também fez a campanha de Luiz Carlos Junior Silva de Oliveira, o Luizinho, (MDB) prefeito reeleito de Itagimirim (BA). Ele pagou R$ 30 mil à empresa. Ao todo, a H&H recebeu R$ 556,4 mil em pagamentos de candidatos nesta eleição, de acordo com informações da Justiça Eleitoral.
Ao Estadão, o presidente do PSD da Bahia, o senador Otto Alencar, disse não conhecer Ritinha e afirmou que não é responsável pelo eventual mau uso dos recursos, caso tenha ocorrido.
“Quem vai prestar conta é a Ritinha. Então, se ela teve alguma coisa que signifique irregularidade, aí tem os órgãos de controle para olhar”, diz. “Como é que eu vou calcular se a Ritinha vai ter voto ou não? Quem calcula é a urna, não sou eu (…). Você liga para a Ritinha para saber. A gente dá (o dinheiro) na boa fé. Se ela vai fazer uma coisa dessas (desviar) ou não, cabe a investigação”, diz o senador. Ele diz já ter expulsado pessoas do partido por irregularidades nas eleições de 2020 e 2022.
Otto Alencar disse encorajar a participação feminina em seu partido, mas criticou as normas que obrigam os partidos a destinar um percentual mínimo de verbas para mulheres. “Eu acho que a participação da mulher é fundamental. A maior alegria da minha vida é liderar a maior bancada do Senado, com 15 participantes e seis mulheres, todas muito ativas. Aqui no meu Estado, eu fiz 20 reuniões do PSD Mulher (…). A única coisa que está errada é Brasília dar uma receita única para todos os Estados. Dizer que São Paulo é a mesma coisa da Bahia… não é. Alagoas, não é. Pode ser que um Estado desse tenha muita mulher participando. No meu Estado… eu luto por isso”, diz.
Ao Estadão, o Diretório Nacional do PSD disse seguir a lei brasileira ao fazer os repasses, mas reiterou que a prestação de contas é de responsabilidade dos candidatos.
A reportagem do Estadão procurou todas as candidatas mencionadas nesta reportagem. Apenas uma, Nilzete do Baú (PSD), candidata a vereadora na cidade de Guanambi (BA), respondeu. “Os recursos recebidos do Fundo Partidário foram aplicados de maneira transparente e dentro da legalidade, conforme as exigências da Justiça Eleitoral. A prestação de contas final ainda será apresentada dentro do prazo regulamentar”, disse ela, em nota enviada por seu advogado.
A campanha da candidata foi registrada em suas redes sociais. Ela gastou R$ 72,5 mil, mas teve apenas 54 votos.
“O cenário político de Guanambi foi desafiador, sendo que calha de logo observar que a candidatura majoritária governista contra a qual a candidata Nilzete se colocou obteve 80,46 % dos votos no pleito”, diz o texto elaborado pelo advogado da candidata. “De outra banda, a oposição aos partidos governistas, onde se situava a candidata Nilzete, conseguiu eleger apenas dois vereadores em um total de 17 vagas. Essa conjuntura dificultou a candidatura de Nilzete, apesar de sua campanha focada em propostas e no contato com os eleitores”, diz um trecho.